sábado, 31 de dezembro de 2011

Magníficos monstros

Magníficos monstros
da rocha da matéria da terra
por homens feitos construídos
com a matemática do andaime a afiar
e uma trupe de escravos a aumentar

Os magníficos a quem se fala pede confia
de quem se roubam as vontades
a anima
os monstros que rugem ou calam
os monstros desumanos por nós inventados
que só troam que não falam
que bebem e comem mas não costuram

O som  dos magníficos monstros
o queixo a cair
por dentro por fora
nós ali
a querer sentir-nos minúsculos
e sem poder ser outra coisa
minúsculos

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

domingo, 25 de dezembro de 2011

domingo, 18 de dezembro de 2011

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

úlcera

Acordo com cinquenta e tantos anos e não percebo o que é que ainda ando para aqui a fazer, para quê. Vivi tanto. Já sei do amor, do ódio, da raiva, da alegria, da injustiça, da organização, da violência, da mentira, da liberdade, da prisão. Descobri aos quinze anos, com ingenuidade e muitos erros, uma arte e um ofício. E a partir daí tantos outros. Porque quando se estuda um papel não estamos sozinhos mas já em diálogo. E para montar a cena é preciso inventar luzes e cenários e depois montá-los, e falar com o ginásio do bairro para pedir cadeiras. E quando tudo está montado é preciso pintar um cartaz e fazer cola e colá-lo. E ainda escrever textos para os outros a quem vamos mostrar tudo, a contar os caminhos por onde passámos e que fazem a exigência de isto ser feito. E mais as falhas, os pormenores, os imprevistos. Lidar com mais gente, saber as diferenças das relações de uns com outros. Berrar muito nas longas reuniões e nos pequenos passos do dia-a-dia e saber que isso não é ódio nem o fim do mundo. Berrar de morte com aqueles com quem dormimos e com quem acordamos. Quando veio o dia da revolução já tínhamos trinta anos e achámos primeiro que já éramos velhos para aquilo, que aquilo já não era para nós nem ia ser feito por nós. Mas afinal de contas éramos nós aquilo. Afinal os processos em curso chamam-nos, pedem-nos tantas coisas e tudo muda tanto que voltamos a vestir t-shirts que nos deixam as primeiras rugas a descoberto e é a isso que chamamos bonito. E voltamos a acampar pelas terras e a conhecer mais do mundo da província, onde falta fazer tanta coisa e as pessoas nos oferecem vinho de bom grado. E fazemos mais coisas que nunca. E continuamos a discutir de morte com quem dormimos e com quem inventamos o que há para fazer. Depois as coisas começam a andar para trás. Muitos querem o descanso e o conforto da vida normal das telenovelas da noite. É grande o ataque da normalidade e o poder de certos ganhos de alguns. Muitos desistem, tudo desiste, o mundo desistiu. E nós que aprendemos tanto, que transformámos e inventámos as maneiras de fazer as nossas coisas e ainda sonhamos com um mundo às avessas e não sabemos bem o que é sonhar nem dormir, continuamos a tentar fazer as nossas coisas mesmo assim. De maneiras que se tornam cada vez mais estranhas e difíceis, num mundo que já não parece passar pelas nossas mãos. De repente já não há tanta gente à volta. E se alguém prega um prego, e tantas vezes continuo a ser eu, o nome desse alguém tem de vir impresso em letras formatadas pela máquina e já não pintadas à mão com o traço torto dos pincéis gastos de andanças, e o papel tem de ser brilhante e já não papel manteiga ou almaço, e deve dizer: “especialista de pregar pregos CL70: nome próprio e apelido”. E se alguém chega para dar uma mãozinha, isso então chama-se “voluntariado”. Chamam-nos loucos a nós que continuamos a discutir nesta altura do campeonato, vermelhos, as palavras usadas pelo escritor X no poema Y, ou o plano inicial do filme tal, ou as teorias de um pensador do princípio do século passado comparadas com as larachas do opinion maker convidado para ir ao telejornal, ou a ideia disparatada ou incrível que alguém deu na reunião de terça-feira, ou a melhor maneira de montar a exposição e de pendurar o projector do canto. Chamam-nos loucos a nós que nem sabemos como começámos a discutir mas que passamos três horas nisso, levando a sério, demasiadamente a sério, toda e qualquer palavra dita por nós ou por um dos outros. Chamam-nos loucos, alcoólicos, utópicos, rezingões, pequeninos. E às vezes quando acordamos pensamos que já não somos deste mundo, que nada do que fazemos interessa, que já não temos forças, que agora sabia bem aprender com os outros que se reviram nas telenovelas da noite, aprender a descansar, a não ligar, a fechar os olhos, a fazer férias de dois meses nas Caraíbas deitados em redes. Vou deixar de pregar pregos, de escrever livros, de encenar espectáculos, de acartar com móveis, de pintar quadros, de editar panfletos, de mandar cartas, de falar com as pessoas do bairro, de cantar, de inventar, de colar cartazes e puxar cordas, de ter ideias para as reuniões. Vou deixar-me dormir, acordar, comer, ler o jornal uma vez por semana, dar beijos na testa daqueles com quem durmo. E passado um mês ou dois vou perceber o que restou: a camisa aos quadrados, a esferográfica preta na mala, as aguardentes depois do almoço e do jantar, os cigarros, a memória das datas e uma úlcera a nascer no estômago.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

¿dónde quedo yo?


Soy tu madre, soy tu hija, soy tu amante, soy la chica que limpia tu casa.
Soy la esclava de tu vida, soy la dulce y educada que siempre dice que sí.
Soy aquella a la que buscas cuando tienes un problema y quieres un abrazo.
Soy aquella a l...a que tocas por las noches cuando duerme aunque te diga que no.
Turururu tutu tururu tuuu, en el mundo existes tú.
Turururu tutu tururu tuuu, ¿dónde quedo yo?
soy aquella a la que mientes cuando quieres conservar tus privilegios,
soy aquella a la que silvas por la calle, a la que tratas como objeto sin cerebro o corazón.
Soy tu amiga y compañera a la que acosas en las fiestas de los centros liberados.
Soy aquella que te mira cuando bajas la cabeza si alguien te llama agresor.

Turururu tutu tururu tuuu, en el mundo existes tú.
Turururu tutu tururu tuuu, ¿dónde quedo yo?

Soy aquella a la que juzgas por quedar con sus amigas y formar un colectivo,
"colectivo de mujeres, ¡Qué carajo, vaya nazis!, ¿porqué no puedo entrar yo?"
Como un ente omnipresente crees tener razon en todo y hablas de lo que no sabes,
te escudas en tus misterios, tus secretos y tu cuerpo y andas con seguridad.

Turururu tutu tururu tuuu, en el mundo existes tú.
Turururu tutu tururu tuuu, ¿dónde quedo yo?

Y se te llena la boca hablando de mis derechos y de feminismo.
Te agarras a mi discurso, te lo aprendes, te lo quedas para hablar de tu opresión (pobrecito)
Seas hippy, libertario, lleves rastas, lleves cresta o si vives okupando
Seas terco o reformista que se cuelga la chapita, tengas un grupo de hombres o seas anarkopunk.

ME DA IGUAAAAAAL! piensa en lo que digo,
ME DA IGUAAAAAAAAL! No vayas de listo por la vida por favor...

domingo, 27 de novembro de 2011

FMI, Fátima, Futebol e Património Mundial Imaterial

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 22 de novembro de 2011

ocupar a net

temporariamente desocupada

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Elas


O texto, de Maria Velho da Costa, já tinha a sua silhueta aqui.

grevista e amarelo

grevista e amarelo
conversam animadamente
sobre o sistema
um diz que é injusto assim
outro diz que é injusto, e é mesmo assim
um diz que podemos pegar nisso
outro diz que podemos perder o emprego se pegarmos nisso
um diz que emprego já estamos a perder
outro diz que há muita coisa aí para fazer
um tem receio de que não chegue
outro tem medo de que seja demais
um acha que já vai tarde
outro acha que ainda é cedo
ambos 99% insatisfeitos com o capitalismo
enquanto um terceiro capitaliza a insatisfação
- juro
o caso é verídico
grevista e amarelo
distraem-se conversando no café
debatendo a greve
e nenhum deles trabalha
um não atende os clientes
outro nem sequer vai fazer o piquete de greve
e um pombo come os restos do pão no café

terça-feira, 8 de novembro de 2011

o último a dormir apaga a lua


[roubado do facebook de Cléo Guingo]

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Eles têm a faca e o queijo na mão...

e nós temos o garfo e a marmelada.



quinta-feira, 3 de novembro de 2011

poema para o fragmento de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

gostava de saber o título de ver a legenda
uma mulher a jogar futebol é um fragmento
com seu cabelo armado
que afinal ela nasceu foi para agradar ao homem
que afinal ela nasceu foi para estar em casa
para fazer montes de exercício físico mas às escondidas
não em espectáculo
que afinal ela também tem ginástica na escola
e também sabe chutar uma bola
mas o que ela tem é de ter o cabelo penteado
mas também tem o dever de ter um corpo são
mas ai dela que caia ao chão
que afinal ela nasceu foi para ser enfermeira
que afinal ela nasceu foi para ser secretária
que afinal ela nasceu foi para levar a cerveja aos espectadores
gostava de saber se é uma aula
porque finda a escola nunca mais toca numa bola
porque com trinta anos já vive em casa para sempre
porque andamos para aqui para que os homens brilhem
e o trabalho de sapa faz-se às escondidas
e o lixo e as retretes e os curativos e as secas
vão sempre ser feitos pelas bonecas
cem anos depois

poema para o desenho vinte e três de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

alentejano o nariz de vinho vermelho
o vinho vermelho no nariz do alentejano
o barrete de ribatejano no alentejano
o capote alentejano no do barrete ribatejano
o cajado e o capote e o nariz vermelho
a gravata e as botas e os olhos pegados
tortos a ver só o vinho à frente
sem profundidade nem perspectiva
que as pessoas do campo e do alentejo
são tristes de vinho e têm pouco pra pensar
só na morte da bezerra branca de ontem
e nada de cooperativas que eu ainda sou miúdo
e ainda vivemos na ditadura e o povinho
ainda é alentejano de nariz de vinho
com barrete de ribatejano eh toiro
lá nos campos as pessoas são todas assim

poema para o desenho vinte e dois de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

eu sei muito bem como são os holandeses
são uns senhores de socas que fumam cachimbo
enquanto tratam da terra com um ancinho
no livro do meu tio
os holandeses têm calças às riscas e gorros na cabeça
por causa do frio

Acabar com tudo

Primeiro arrumar tudo o que ficou a meio,
tirar da cabeça
depois encostar às boxes.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

dois de novembro


a minha não faz sentido
será que dormindo
mais claro
menos clara
menos cara menos coração
mais ar só ar e árvores faz
isso sentido?

sem coração sem intenção sem criação sem
as forças das raízes dos pés a esticarem-se para a boca

a atirar pedras sílicas sílex pederneiras
cabeças de lanças da nuvem da certeza
à la deus-dará

o inverno era a rua ser de sintra fria e poças de reflexos turvos
o vento guilhotinava
a garganta congelada
a ganhar espaço para as moléculas incharem

a dificuldade

Poema Antigo

dorsal magenta
pesadas e de ferro maceram os ligamentos
já não se vê a ponta do fio
o novelo que seguro é do tamanho do mundo
esconde o olho a alface...
há incríveis sensações
romperam-me os pés
línguas de camaleão
sempre nunca mais deito
continuas a rir-te de costas para o outro lado
aceso como pinheiros
faço que sei que sossego
a caluda
houve gotas roxas na cascata da cozinha
vai ela a passar outra vez
ódio, nojo, demónio
cuspo, raiva, aspirador
sola do sapato contigo
o azul lá lá lá continua
seca o que salga água tépida
às escuras mastros cinzentos e farol preto
mas uma vez um dia amanhã
secura dos lábios-chumbo
porcas soltas cabeça cheia
ainda a ranger
com veneno, com cicuta, com x-acto
e pelo beiço
antes e depois já não são tempos
os risquinhos do traço impossíveis ganharam
nuvem

domingo, 30 de outubro de 2011

Bestiário


[Nota: ver sem som!]

sábado, 29 de outubro de 2011

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

canaille



You are the one
For me for me for me
Formidable
You are my love
Very very very
Véritable

Et je voudrais pouvoir un jour
Enfin te le dire
Te l'écrire
Dans la langue de Shakespeare
My daisy daisy daisy
Désirable
Je suis malheureux
D'avoir si peu de mots à
T'offrir en cadeau
Darling I
Love you love you
Darling I want you
Et puis c'est à peu près tout

You are the one
For me for me for me
Formidable

You are the one
For me for me for me
Formidable
But how can you
See me see me see me
Si minable

Je ferais mieux d'aller choisir
Mon vocabulaire
Pour te plaire
Dans la langue de Molière
Toi
Tes eyes ton nose tes lips adorables
Tu n'as pas compris
Tant pis
Ne t'en fais pas
Et viens t'en dans mes bras
Darling I
Love you love you
Darling I want you
Et puis le reste on s'en fout

You are the one
For me for me for me
Formidable
Je me demande même pourquoi je t'aime
Toi qui te moques de moi et de tout
Avec ton air canaille canaille canaille
How can I love you

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Quero morrer



Quero voar
- mas saem da lama
garras de chão
que me prendem os tornozelos.

Quero morrer
- mas descem das nuvens
braços de angústia
que me seguram pelos cabelos.

E assim suspenso
no clamor da tempestade
como um saco de problemas
- tapo os olhos com as lágrimas
para não ver as algemas...

(Mas qualquer balançar ao vento
me parece liberdade.)

José Gomes Ferreira

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

sangue do nariz da orelha das unhas dos lábios

sangue do nariz da orelha das unhas dos lábios
sangue dos dentes
úlceras ignotas
o trabalho imparável torturoso forçado
das plaquetas
a dor, o rasgo, os cortes, as feridas
os mucos do ataque e da defesa
o ardor a lambidela o alívio a vergonha a introversão
querer meter-se o corpo do avesso
e dormir dois meses
no casulo
a criar carapaça

domingo, 16 de outubro de 2011

Já não dá

«dedicado a tod@s @s indignados que subiram ontem as escadarias de são bento e disseram basta de canibalismo social (capitalismo+racismo+machismo+​mais outros ismos). não pagamos!»
Chullage (via facebook)

já não dá (saímos para a rua) by beatweenus

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

no foyer

no foyer
homem gillette, bronzeado marlboro
fato claro camisa azul
mostra ao jardim
o que é esta sociedade
pose cínica pés de barro
medo perfumado

cada um por si
como diz ali no outdoor
enquanto se fingem civilizações
e se treinam composturas
abrindo bárbaras narinas
arrogando o olhar

julgando que sucesso é lugar
julgando que champô é pensar
julgando que tempo é dinheiro
cinismo vomitando o dia inteiro

terça-feira, 4 de outubro de 2011

quando

quando os pássaros voltarem a ser livres
e os sonhos forem mãos a desenhar
as gaiolas deixarão de ter sentido
saberás o que água quer dizer
a mudança há-de ser imperceptível
para aqueles que só gostam de morrer
mas as coisas já não servem para o jugo
as bocas vão ter fome de outro dia

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ofereço a letra


L'avion rose

Fechado aberto o pulmão de CORAÇÃO
O MEU CORAÇÃO DE PULMÃO
A SANGUE FRIO A RESPIRAR EM LATA
FECHADO ABERTO AS PESTANAS
RESPIRAR
O ALÍVIO DA NOITE EM CIMA
EM SEXTO ANDAR
EM DUAS EM DUAS E OITO
Fechar abrir os olhos o programa a resposta
mudar o erro emendá-lo nunca possível
As peças de vidro e líquido já se sabiam buscar sozinhas
sobe-se ao banco não se pede à mãe
sem amigo de sorriso
sem a rede da corda de corda sem coração
Os carros em baixo a mais de mil e duzentos
como ondas do mar da natureza da sintra longinquíssima
mistiquíssima demais
A fala
a que cala
a que despe a pala
e nua se mostra se abre a prometer mel
em fúria
sem rasgo de sinal para onde possa ir
quem querer o mel
sinais soltos num papel de gordura
As casas criadas com tanta segurança
o nojo do ódio do rico da pança
e aquela máscara de ódio
O medo

Fugia-se do medo sempre a sete patas
quando a noite estreitava assim as cinturas
e dilatava as ideias
deformando
e aconchegava com vidro com pulmão
decoração
azeite por cima sempre a gritar ao óleo
eu é que sou!
Os travões amigos aconchego com guinadas
o mar dos carros
o sopro do vento que hoje não se ouvia
mas que fazia parte das janelas

E a tua voz a desculpar o outro a admirá-lo a sê-lo também tão bem
e eu a saber que então também te tenho asco porque és assim
porque são iguais:
o amor o amante o pai o filho que nunca quero ter porque mais é demais
Lesbos era uma ilha que se delineava ao longe e acenava alguém de lá
e sempre a nossa jangada a via ao longe
e sempre levada seria pela mesma corrente da saga raga

E as palavras queria que alguém as pegasse
e saberia desde início que eram impegáveis
as palavras as palavras
com que queria gritar-te a vida a tua a minha a dos que cá bebem
em suas caixinhas
e afinal nada sabia eu disso tudo e não queria saber
queria só cantá-las
e não arranhava uma corda de nenhum instrumento de sopro
rasgar grunhos antigos restava bastava assava
mas não saía paria azevia
acenar e gritar esgarçar ruliminar

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

poema para o desenho vinte e um de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

O paquete Nyassa tinha a âncora agarrada ao casco
e o casco de ferro como convém aos piquetes que não levam a paz
Era grande de chaminés e apitos fumegantes
e esburacado de furos para os canos de fogo
Os arames e os cabos sem velas
a casota blindada e pessoas nem vê-las
Só tem pátria o piquete paquete Nyassa
só tem mar à volta e uma lanterna vermelha
O paquete imponente como se aguenta na água?
Não afunda não afunda nem na maré vaza
Será que não afunda? tem retorno torna a casa?

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

como descer aos infernos provando que a vida não está escrita


os dois a cair por uma ribanceira a cair a cair sem rede
sem ser bom
e depois no fim chegámos mesmo lá abaixo
e lá em baixo descobriste que havia uma escada por onde tudo seria mais fácil
uma escada
com degraus com estrutura com construção
feita pelo Homem

"nos sonhos é-se vivo não se morre
aliás essa é a única vantagem"

cá na vida já nos estatelámos

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O meu a meu dono

A Regina Guimarães também gosta muito de pensar nisto tudo.


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

outros olhos

eu acho que o amor move montanhas, faz girar o mundo
o ideal, mas sobretudo o correspondido
que se traduz depois nas coisas práticas
em tudo
e não vejo coisa mais interessante no mundo que as relações entre pessoas
não fosse isso e nada disto tinha interesse
nada disto me dava para pensar
ou para divagar, ou para fazer canções e escrever poemas
e conversar e beber copos e dançar
se não fosse isso
das relações entre as pessoas
do amor e do ódio
das aproximações e afastamentos
dos pactos de relação, românticos ou empresariais
desvendar isso, experimentar isso, arriscar, descobrir a forma mais livre, saber as formas mais opressivas ou emaranhadas
ver os outros, pensar os outros, pensar em nós, pensar nós com os outros que já têm relações uns com os outros
tentar mudar isso, mudar o mundo, fazer a luta juntos
("não se pode ser feliz sozinho")
se não fosse isso éramos antílopes ruminantes no cimento e no silêncio
mas não somos
estamos cá para mudar isso
estamos cá porque não somos isso
nunca fomos isso
se vemos isso noutras pessoas ao lado
é porque temos de mudar o mundo
as relações como andam a ser feitas
os casamentos mudos
as rotinas
as relações desiguais autoritárias hierárquicas sufocantes
repetidas desinteressantes não produtivas
tudo o que a nossa nunca foi
a nossa que interrogou tanto isso o tempo todo
a nossa que criou novos objectos
novas relações novos caminhos novas ideias
a nossa que juntou pessoas que mudou outras pessoas
que mudou formas de fazer as coisas à nossa volta
a nossa é que mudava o mundo

smother love



Crass - Smother Love, from Penis Envy.

Smother Love.
The true romance is the ideal repression, that you seek,
That you dream of, that you look for in the streets,
That you find in the magazines, the cinema, the glossy shops,
And the music spins you round and round looking for the props.
The silken robe, the perfect little ring,
Will gives you the illusion when it doesn't mean a thing,
Step outside into the street and staring from the wall
Is perfection of the happiness that makes you feel so small.
Romance, can you dance? D'you fit the right description?
Do you love me? Do you love me? Do you want me for your own?
Do you love me? Say you need me, say you know that I'm the one,
Tell me I'm your everything, let us build a home.
We can build a house for us, with little ones fellow,
The proof of our normality that justifies tomorrow.
Romance, romance. Do you love me? Say you do,
We can leave the world behind and make it just for two.

Love don't make the world go round, it holds it right in place,
Keeps us thinking love's too pure to see another face.
Love's another skin-trap, another social weapon,
Another way to make men slaves and women at their beckon.
Love's another sterile gift, another shit condition,
That keeps us seeing just the one and others not existing.
Woman is a holy myth, a gift of mans expression,
She's sweet, defenceless, golden-eyed, a gift of gods repression.
If we didn't have these codes for love, of tokens and positions,
We'd find ourselves as lovers still, not tokens of possessions.
It's a natural, it's a romance, without the power and greed,
We can fight to lift the cover if you want to sow and seed.
Do you love me? Do you? Do you? Don't you see they aim to smother
The actual possibilities of seeing all the others?
Do you love me? Do you? Do you? Don't you see they aim to smother
The actual possibilities of seeing all the others?

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Corte de cabelo e pratos partidos

Foi vista nas salas do youtube a silhueta da menina pires, que - enquanto roubava e passava material - ameaçou cortar a cabeça mas resolveu apenas cortar o cabelo. A fraca.


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

domingo, 4 de setembro de 2011

só o que se espera ardentemente nos chama



















"...só o que se espera ardentemente nos chama, sobretudo nas épocas de perplexidade, onde a força da desilusão e do desencanto não é comparável senão à da expectativa renovada de que não sabemos desistir."

Mário Dionísio, Conflito e unidade da arte contemporânea (conferência na SNBA, 1957)

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Á cido

doi-me tudo
não tenho ossos que não doam
sons que não doam palavras que não doam
não tenho pele que não doa de dormência
não tenho sono que durma à noite de dia
doi-me a vida doi-me os pés cheiram a dor
doi-me a cansaço
os pés doem-me a dormecer
lateja-me o estômago o peito
cansam-me os olhos
os sons apitam-me as caras fujo-as
falta-me o ar
cinto a cinza da nuvem carregada
a massa das nuvens maciças
opacas
o ar insuflado opressor máquina de medir a tensão
aparelho de encher colchão
saga sina açaime acena encena para sempre
encena a sempre a perna as costas
não vivo
vivem-me uns parasitas de agarrar peles e energias e gestos
violáceas vivas víboras esventram varrem
com vassouras duras
escovas de ferro
vergo-me de vómito
extinguir-me difícil tanto moroso lânguido cruel
isto não esvazia

terça-feira, 23 de agosto de 2011

terça-feira, 16 de agosto de 2011

sem título

Durássemos nós infinitamente
e tudo se transformaria
mas como somos finitos
fica muito do velho

(Bertolt Brecht)

sábado, 13 de agosto de 2011

Simone e Sartre

1929

1977

Usos da CIDADE de Augusto de Campos (1963)

atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimultipliorganiperiodiplastipublirapareciproustisagasimplitenaveloveravivaunivora
cidade
city
cité


diz que é bonito


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

já houve uns que decidiram fazer juntos a sua luta neste mundo torpe, chamavam-se "companheiros"

1

Quando nasci
- de pouco valeu estarem os campos cheios de flores -
uma garra disforme
deixou-me a sua marca negra até ao sangue.

Sorriu o pai e a mãe
do destino do menino venturoso.
Eu próprio ri de segurança e de vitória.
Mas a cada minuto, a cada passo,
a segurança e a vitória foram sendo mentira.
(Basta eu chegar para que tudo se perturbe.
Aliás nem ninguém nem nada se perturba:
só eu sou sempre afinal o perturbado.)

Mas não desisto.
Insisto.
Procuro chegar, entrar.
Procuro, como um faminto de sacola na mão,
essa alegria de toda aquela gente,
que diz sem sobressaltos: aqui estou.
Mas isso sim. Basta eu chegar:
lá vem o grito fatal de: cão danado!
É escusado teimar.
Todas as portas me estarão fechadas,
deixando escorrer um fio de luz
ou um fio de palavras...

E não desisto.
Insisto.

Mas se a mão negra me marcou para sempre,
a que vem este desejo inferior
de lá chegar?


2

Olha: tu que me és única,
mais valia nunca teres poisado o teu olhar
nas minhas mãos,
nos meus cabelos
e nos meus olhos agora e para sempre cheios de ti.
Ter-te-ia sido preferível afinal.
Assim só eu corria pelas ruas
apedrejado às esquinas
como sucede sempre a um bom cão danado.
Não sofrias,
não choravas,
não te martirizavas tanto em cada hora.
Assim, enrodilhada sem querer no meu fracasso,
perdeste talvez aquilo que não volta a repetir-se.
Mais te valia nunca me encontrares,
a mim, o sempre trôpego em todas as passadas,
coberto de miséria, de grotesco,
ridículo!


3

Eis-nos boiando, aflitos,
só as narinas e os braços fora de água,
prestes a sucumbir.
E a terra tam perto cheia de gente alegre...
Um gente endinheirada e bruta,
pisando todas as flores.
Já nem sabemos se as lágrimas
serão gotas do mar que nos envolve,
se é o mar a água das nossas próprias lágrimas.

E a terra tam perto,
cheia daquela gente endinheirada e bruta,
pisando todas as flores...
E nós para aqui boiando,
escorraçados afinal da própria casa,
como quem não paga a renda.
Ah que é como um país nosso invadido por estrangeiros!

E, narinas abertas numa ânsia de vida,
miseráveis, covardes,
sem a coragem de nos deixarmos sucumbir,
cair prò fundo, acabar!


4

Deixa lá, companheira!
Que havemos de fazer?
Fecharam-nos a porta e quase nos cuspiram.
Pisaram-te e, a mim, vergastaram-me as mãos.
Deixa lá! Deixa lá! Eu beijarei teus pés
e tu farás sarar as minhas mãos.
Para lá da última casa ainda há terra
e céu e água e luz...
Ainda há vida para lá.

Deixemos para eles o som vazio das gargalhadas
e a luxúria do oiro.
Ainda há vida para lá.
O nosso horizonte é mais vasto em cada instante.
A nossa voz mais rica em cada instante.
O nosso querer mais certo em cada instante.
Ainda há vida para lá.
Sigamos nossa rota, companheira.
Enxugarei teu rosto com cuidado.
Tu farás o meu canto.
E para além das barreiras do tempo
milhões de homens nos esperam com os braços abertos,
que desde a primeira hora serão braços de irmãos.

Mário Dionísio

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

nestes tempos...

Visa pour les beaux jours



Visa pour les beaux jours
Céline Dion
Composição : Paroles: Eddy Marnay. Musique: C. Loigerot, T. Geoffroy "Tellement j'ai d'amour"

Le feux vert avale un feu rouge
Mon moteur est plus fou que moi
Aujourd'hui je prends l'autoroute
Qui me mène à n'importe quoi
Je me sens libre Je me sens libre
Direction: aucune importance
Pile ou face le sud ou le nord
J'ai déjà une roue en France
L'autre roue qui roule dehors
Je me sens libreJe me sens libre
Ouvrez tous les chemins de la terre
Ouvrez tous les verrous des frontières
Moi j'ai mon visa pour les beaux jours
J'ai mon passeport couleur de l'amour
Libre
Libre
J'ai envie de tout ce qui danse
J'ai envie de tout ce qui brille
Si je tombe en panne d'essence
Je vivrai de mon énergie
Je me sens libreJe me sens libre
Venez tous les garçons et les filles
Venez nous chanterons en famille
Moi j'ai mon visa pour les beaux jours
J'ai mon passeport couleur de l'amour
Je me sens libre comme une bulle de champagne
Libre d'escalader les montagnes
Moi j'ai mon visa pour les folies
J'ai mon passeport couleur de la vie
Je me sens libre comme une fusée spatiale
Libre de dévorer des étoiles
Moi j'ai mon visa pour les beaux jours
J'ai mon passeport couleur de l'amour

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

tudo em aberto



Já viajámos de ilhas em ilhas
já mordemos fruta ao relento
repartindo esperanças e mágoas
por tudo o que é vento

Já ansiámos corpos ausentes
como um rio anseia p´la foz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?

Que há-de ser do mais longo beijo
que nos fez trocar de morada
dissipar-se-á como tudo em nada?

Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós

Já avivámos brasas molhadas
no caudal da lágrima vã
e flutuando, a lua nos trouxe
à luz da manhã

Reencontrámos lágrimas e riso
demos tempo ao tempo veloz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós

Que há-de ser da mais longa carta
que se abriu, peito alvoroçado
devolver-se-á: «endereço errado?»

Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós

Já enchemos praças e ruas
já invocámos dias mais justos
e as estátuas foram de carne
e de vidro os bustos

Já cantámos tantos presságios
pondo o fogo e a chuva na voz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?

Que há-de ser da longa batalha
que nos fez partir à aventura?
que será, que foi
quanto é, quanto dura?

Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós

O Armando gama, o Jorge palma...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

dos Mler ife Dada, mas podia ser doutros





Na pandra bomba ainda jinga a hidra samba
Conga tom-tom bambu, num mundo pandra
Na sala zomba o quadro do canto
E a pedra bomba rebenta num espanto

Na pandra bomba ainda joga a vida bamba
Pandra de pau, tabu, magia zanga
No quarto grita o rádio do canto
E a pedra bomba rebenta num espanto

Zig zig zebra zeze e pó daqui
Espiral em arco-íris só para mim
Na sombra branca ainda brinca a pandra bomba
Sangra surucucu jingando a ganga
Na rua canta a estátua dum santo
E a pedra bomba rebenta num espanto.

Zig zig zebra zeze e pó daqui
Espiral em arco-íris só para mim


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Chanson du Geôlier, de Jacques Prévert

CHANSON DU GEÔLIER

Où vas-tu beau geôlier
Avec cette clé tachée de sang
Je vais délivrer celle que j'aime
S'il en est encore temps
Et que j'ai enfermée
Tendrement cruellement
Au plus secret de mon désir
Au plus profond de mon tourment
Dans les mensonges de l'avenir
Dans les bêtises des serments
Je veux la délivrer
Je veux qu'elle soit libre
Et même de m'oublier
Et même de s'en aller
Et même de revenir
Et encore de m'aimer
Ou d'en aimer un autre
Si un autre lui plaît
Et si je reste seul
Et elle en allée
Je garderai seulement
Je garderai toujours
Dans mes deux mains en creux
Jusqu'à la fin des jours
La douceur de ses seins modelés par l'amour.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Julho

As paredes têm olhos
as árvores têm olhos
as pedras da calçada
as luzes
os sons têm olhos
os écrãs têm imans
o peito tem quebras
a garganta tem pedras
os amigos têm bombas

As rugas das paredes têm beijos
as folhas das árvores têm beijos
a cair nas pedras da calçada
os raios das luzes
certos sons têm beijos

As sirenes têm medo
as gargalhadas têm medo
os zumbidos
os joelhos
as malas têm medo

O corpo prende
o ritmo estrangula
a cabeça ameaça
a palavra corta a garganta

o orgulho passa

quarta-feira, 13 de julho de 2011

poema para o desenho vinte de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

Sabe-se lá o que faz ele
Na guerra
lá na guerra que tanto engrandece
os homens homens
E para além dos postais que manda
ou que não manda
o que faz ele na guerra?
Na guerra espaço
na guerra tempo
na guerra situação
na guerra fábrica
na guerra longe
E ela que fica
com os pratos e os filhos e as tapeçarias
ao piano
a fazer vida
- isso é de somenos importância
Em todo o caso
está no coração
Ao longe

quinta-feira, 7 de julho de 2011

poema para o desenho dezanove de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

Maria Julieta Goulart Parreira Monteiro
toca piano o dia inteiro
doméstica, educada
com mãos de fada
a dar música às paredes da casa.
O vaso de flores periclitante
em cima do móvel imóvel instrumento
olha a mesinha mais abaixo
com tinteiros, bibelots e um retrato.
Maria Julieta Goulart Parreira Monteiro
de costas direitas e o grande nariz
chegaria aos 60 sem saber o que diz
mas com a memória nos dedos
dos saltos pelas teclas
cumprindo os compassos...
Mas a morte prematura espreita
sem dó a esposa de Romeu.
E a nota final fica
aqui no desenho do orfão.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

La mort d'un rêve

Hervé Masson, Nue au poisson mauve



La mort d'un rêve

il était une fois
il était un rêve

il était un rêve parce-que c'était une histoire impossible
le rêve existait dès toujours
car l'impossibilité vient de loin

le rêve est né
il grandissait
toujours en mouvement comme la fumée

le rêve
avec des couleurs
le rêve
avec des formes
le rêve
avec des cris
le rêve coule
le rêve
trop beau
le rêve
trop bien
le rêve
la vie la voix le sourire
trop
trop

impossible
le rêve possible

il se tourne soudain
il ouvre ses yeux
il les ouvre bien
il voit la peur
il a peur
il se recroqueville
il se rétrécit
il devient couleur de boue
son chapeau tombe
sur une flaque
ridicule

il n'inspire plus
il blesse les nus
il nous rend confus
c'est un abus

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Futurologia sim!

O futuro deve ser estudado
cuidadosamente
escolhendo

Quem me dera agora

Dizem que não sabem
para não dizer o que sabem
e não deixar escolher

Dizem que não sabem
mas sabem
que têm de esconder
para não dizer o que sabem
e não deixar escolher

Desembrulha o presente
Improvisa
Agindo

Todos os dias Quem me dera hoje

car tune



Foi feito pelo argentino Quino.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

presa

presa
à defesa
na mesa
em casa
sem asa
vaza
tesa
na represa
sem pena
sem gota
sem tinta
seca
no beco
a seco
verde seco
com olhos
com molhos
molhos d'olhos
com ferrolhos
como repolho
apodrecido

terça-feira, 3 de maio de 2011

segunda-feira, 2 de maio de 2011

poema para o desenho dezoito de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

Para desenhar as pessoas da áfrica
usa-se o lápis preto.
Na áfrica as árvores têm folhas recortadas.
As árvores que eu sei que há em áfrica são as palmeiras.
Os homens pintam-se com o lápis preto e põem-se ao lado
de uma árvore de folhas despenteadas
e então estamos na áfrica.
Os homens da áfrica também têm bengalas
como os senhores de lisboa
ou cajados de caminhada como os escoteiros
mas não são comprados nas lojas
e polidos e envernizados.
São paus das árvores.
Tortos como os ramos crescem nas árvores.
Os homens de áfrica andam de calções.
Porque está calor
ou porque não há pudores
ou porque não sabem o que são calças.
Lá em áfrica estão muitos portugueses
porque aquilo é nosso.
Mas eu nunca lá fui.
Diz que é longe.
E é assim uma espécie de parque com árvores
e homens pretos
que eu acho que andam descalços.

poema para o desenho dezassete de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

o escuteiro escoteiro
de vara na mão para facilitar a caminhada
qual caminhada?
o escoteiro escuteiro
tem farda e é gordinho
e só tem perfil
e é feliz na sua farda
mas o escoteiro escuteiro
não sabe do coração que traz no chapéu
porque não o vê
- vai em cima da cabeça...
a mala a tiracolo
o lenço
os calções
e os objectos humanos para sobreviver na selva
qual selva?
é um modelo de desenho
como o polícia, tem farda
identifica-se
não é só um menino
é um escoteiro ou um escuteiro

sábado, 30 de abril de 2011

sábado, 23 de abril de 2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011

terça-feira, 5 de abril de 2011

poema para o desenho dezasseis de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

os charlots e os tatis e os patetas sempre a contar com o gato e o rato sempre a contar com o fogo no rabo e cordéis e cordas que puxam objectos consigo que se emaranham em postes e fios e com quedas, desequilíbrios, grandes pilhas tortas voos dos chapéus escorradelas em azeite mangas mal vestidas tropeções em sapatos largos jogos olímpicos de improviso filmes mudos de riso

terça-feira, 22 de março de 2011

poema para o desenho quinze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

Para o que a polícia serve
é para tirar a cor da pele à nossa cara
para nos fazer circular no rosto
em confusão e suor
verde roxo e azul
com perguntas pequenas
pedidos de contas
os seus documentos por favor
o que é que está a fazer aqui a esta hora
não sabe que é proibido dizer
palavrões na frente de mulheres e crianças
nomes de organizações clandestinas
mal do nosso ditador
certas palavras estrangeiras
que língua é essa
onde aprendeu essa língua
tem algum familiar nesse país
já saiu do país
como conseguiu
tem o passaporte em ordem
levou a sua mulher
levou a sua mulher ou a sua amante
entrou no moulin rouge
o que estava a fazer nesta esquina
sabe a multa que dá urinar na via pública
sabe que dá prisão
não sabe que não se pode sacudir a toalha à janela
antes das nove da noite
não sabe respeitar a ordem
a autoridade
os dez mandamentos
os valores
não tem vergonha
não tem vergonha do que estava a fazer
não tem vergonha de ser assim
não tem vergonha de existir
o seu cartão
o seu selo
o seu bilhete
a sua licença
o seu registo
o seu imposto
o seu chip
a sua conta no banco
a sua segurança social
as análises das suas fezes
as suas fezes cheiram bem
cheiram mal
são castanhas
pois agora passaram a ser verdes, roxas e azuis
veja logo à noite se não é verdade
circule

poema para o desenho catorze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

vai um homem com uma faca na mão
prestes a zucla trucla na barriga do Gregório
o homem tem um lenço à volta da fuça
ao outro salta o chapéu de coco
as janelas da porta cinquenta e dois
abrem-se de par em par e
os vizinhos gritam como se houvesse incêndio
a agitar os braços no ar
o homem com a faca na mão prestes
a zucla trucla na barriga do Gregório
grita a casa a prestações
grita o anúncio da Coke
grita a Vera Sergine e O az no Teatro S. Luiz
grita o candeeiro de rua que se acende de verde e vermelho
gritamos nós deste lado testemunhas de tudo
gritam as pedras grandes da rua
que se sentem nas solas dos pés através das botas mais rijas
as botas mais rijas
são as da Grande Polícia
que não dá por nada e segue em sentido contrário
prestes a sair de cena
a Grande Polícia que nunca salvará o Gregório de ser apunhalado
cega
pateta
de rabo empinado na sua farda de ofício de nada
como sempre serôdia

segunda-feira, 7 de março de 2011

colombina, arlequim e pierrot



Mascarim entre as musas

Se queres passar por mim e ficar vendo
os abraços possíveis que há em nós
Se queres a voz também sem ficar sendo
como quem passou por mim sem me ter visto

Vou ao baile baile
não sei o que visto
dá-me o braço braço
com todo o calor

Se alguma coisa falta em tua mão
que te faça as passadas sem temor
e o coração se faz sofreguidão
daquilo de que julgas que desisto

Vem à roda roda
sapato amarelo
levo a voz sardenta
de polichinelo

Se passas e não vês o íntimo clamor
ou não vês mais que gritos sem sentido
nas tantas faces do poeta na tormenta

Mascarim desmaia
tapo a boca Oh
Levas um vestido
sem corpo nem saia

Vai lá ao fundo e verás lá bem no fundo
e bem escondido onde a vida se acalenta
o sentido da hora e o amor do mundo

Papagaio pintado
diz-me lá quem sou
tenho entrada franca
vou de pierrot

Mário Dionísio


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

mercúrio


o sol que aquece quando aquece
não aquece o ar do espaço que é gelo gelado
o ar do espaço gelado não tem quem guarde o calor
e o mercúrio sobe e desce num termómetro compridíssimo

e daí a odisseia no espaço

sábado, 19 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Sonhei que era assassina

Sonhei que era assassina.
De faca.
Já com duas vítimas e arrependimento
nem vê-lo.

Tremia só do pavor de ter deixado rasto.
Aconselhava os cúmplices a viajar para o país do lado
ou para o país ao lado do país do lado.

Vivia ainda as imagens
das facas na nuca e o cabelo de nylon de barbie
e a raiva e a certeza
de não querer a Norah viva nem o outro.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

engagement décennal

je vous aime
librement
en savant que je suis
pris d'amour pour autant

je suis le prisionier
de cette liberté
je suis le poème
d'amour
c'est ça le thème

je vous aime
tous les jours
toutes les décennies
engagé oui
avec du feu de l'impatience
des siècles toutes les décennies
je fais confiance

je garde au coeur
la couleur la révolution des moeurs
relativement absolu
bien entendu

a toi
poème
et a moi
libre amour j'aime

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

poema para o desenho treze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

a pequena língua da liguareira que ouve à janela e fala à escada
a grande língua afiada da lambareira
que ouve à escada e fala à janela
torce e retorce e trava e destrava o volume da voz
bate nos dentes e desliza pronta para a curva
atrasa e avança faz mil movimentos ao segundo
e ao longo do dia vai roubando o baton aos lábios
até que lhe chegam aos ouvidos certos impropérios
sobre a sua língua e a sua língua
incha, incha, incha de tanto não poder responder
incha, incha, incha de tanto não poder dançar
e já não cabe na boca
e a linguareira morde a língua

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

bute

agora tudo
mais pequeno
para nos pôr o chapéu modesto e dizer
sou eu e
PRECISO DISTO

e se tu precisares também
vamos
de quê?

teb celev

tragaram estalaram
bateram cunharam
esculpiram levantaram
ergueram virilidades
hoje arruinadas
e ainda bem

desse lixo faz-se a colagem
reactivando a luta de classes
e nos buracos fazemos casas