sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Trovoada

Era noite e o hall de entrada
parecia soprar gente
e isso não era, certamente
porque era coisa que não se via

Mas ali estava que as plantas magestosas
todas tremeram
e havia uivos e rangeres

Pedi-te, meu amor
a algum helicóptero que te largasse
vi-me de vime e sozinha

E ela, a bárbara, à espreita!

Que o sono construa sua redoma
Que fosse como eu te beijasse
Que eu vou morrer a fingir

aquisto

ter um caderno para escrever
ao lado da cama
ter outro na mala
momentos de chá na rede
prazeres para a saúde mental
zènezices

armar pingarelhos de macacos vermelhos
avançar com duas torres um rei e peões difusos
beber água do luso

entre o consumo e a revolução

ela chama-lhe os trinta
mas é os trinta em dois mil e treze
é
aqui isto

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

dos brandos coturnos


pobre malmequer

                À FALTA DE RASGÃO

meter-se numa coisa não é aparecer na hora de apanhar as canas

meter-se na coisa
                estar metido                          pobre malmequer

é estar na altura de decidir como vamos fazer os foguetes e porquê

                meter-se na coisa
estar nos campos fazer experiências apagar os incêndios acidentes

                isto À FALTA DE RASGÃO

não é
sermos marionetas nas mãos dos deuses especializados que admiramos

oh pobre malmequer…

é
estudarmos a nossa parte
meter as mãos o corpo a cabeça
tentarmos saber de cor
largar as partituras dos hinos

saber de cor é dar
                    é ter dado
                    é estar a dar um sentido nosso ao que estamos ali a fazer

dar o corpo ao manifesto

estar lá pronto à hora a que o outro lá está pronto

ajudar à concentração conjunta
querer fazer

QUERER FAZER                 sem ordens sem obrigações sem coacções sem salário

fazer com outros não pode nunca ser terapia
fazer com outros é estar a viver

olhar nos olhos
todos os olhos de todos
nos olhos de todos aqueles olhos

é
pôr a cabeça a trabalhar
o espírito crítico a funcionar

não é
repetir gestos autistas
responder às ordens
exigir ordens
fechar os caminhos
emaranhar silvas nos trilhos

não é
fazer em cima do joelho a correr para apanhar a linha morta

é
saber olhar para pontos imaginários com uma intenção escolhida
ter os pés na terra
sentir as emoções do corpo ao lado pela respiração

não é
comentar o cão que vai a passar enquanto o companheiro ao lado se está a esforçar por encontrar o sítio de onde vamos juntos lançar os foguetes

meter-se numa coisa
à falta de rasgão
querer fazer
querer saber o que se está a fazer
querer decidir como vai ser feito o que se vai fazer
a coisa ser nossa
duma forma que inventámos

não é despachar sem tempo de olhar sem tempo de mexer

é preparar             mergulhar               antes

é não
voltar sempre à estaca zero como se não tivesse havido antes
esquecer reuniões anteriores
deitar para o lixo actas resumos vozes ideias e pessoas
e a experiência de fazer de outras maneiras

não matar a democracia pela pressa

é algures
entre não achar que já se sabe tudo
e não se achar que não se consegue nada

                digo eu

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

uau

eu curto é bué da cara do peixe que foi agora eleito o bicho mais feio do mundo


cantar com os pés

ó guida quanto me guias
guida me quanto me
guindaste sem quase
eu saber 
que as pessoas sem serem bibelots na estante
sem serem biberons d'instante
lá na frança lá na bélgica lá
nas imigrâncias
lá longe tão longe a guerra a guelra da guida
lá longe não são tão
concretas
in-ten-ção (tensão) attention
concertas
não são tão

que afinal
nas leituras nas canções e nas escritas
os ritmos as pausas as vozes normais de nós
sem nós
só a tua voz que se quebra
que afinal a respiração traz
acção do cérebro
a dança do pensamento
na dissecação das palavras na pausa no silêncio no fôlego da regueifa
no recomeço

no risca-risca no papel
no risca-risca na frase em voz alta

é pensamento comunicação estarmos aqui em conflito de sons e corpos
em conversa
em grito em chut
em palavras que se

eu só
nunca

eu só nunca teria
eu só nunca a tua
paz ciência


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

devido

A manteiga vem da vaca.
                            Nem toda. Mas alguma manteiga vem da vaca.
   A vaca que ri...
   A vaca que ri...
   A vaca que ri...

Que destinatário?

       Sabes
       se achavas que não era possível haver pior música que "Sete mares" dos Sétima Legião, havias de ter ouvido a versão dessa música da Anamar. Ouvi agora.

             A tua avó daquela porta já morreu?
             Uma voz da minha mãe disse Oh
                             Oh! estacionada
                             Oh! branca
                             Oh! na rua da porta da avó

Eu levo o meu mundo nas mãos.
A chave, o dinheiro.
Os céus, os infernos.
O bicho da comunicação.
        Caraças que este pão é bom!
        Com manteiga de vaca magra.

Como fugir, como fugir
como fugir sempre
aos temas em que mais queremos pensar?
Não sabemos pensá-los
e comemos pão.
                             O bicho da comunicação
                             está coberto de farinha.

       Da avó da porta
       eventualmente morta
       também era o pão.

Oh, you come to my door
I don't mind I don't mind
I don't mind at all, taxista

Meia manteiga e nada pensado
Meiga mantém-na
                              olha o colesterol!
           mantém-na assassina imberbe
                              assassina

adormecer olhos
reanimar corações

ultrapasteurizado

não consigo ligar-te até te acordar - é violento

mentira das grandes
que nos andes
da frase ser escrita toda
se ligou e antes
as antenas sibilantes
vibraram

cheguei-te
como?
achei-te
bebi?
todo o éter evapora na caipira do choque

e assim a escrever para ninguém aproveitar
mais uma vez, mariana, joão
porque não tem assunto dizem, eme dê
porque só eu sei ler isto em voz alta e fazer um programa de rádio emitido do meu microfone para a minha coluna
só eu aluna
só eu pedinte
só li dogmas nas linhas

amanhã é que
e ficava a promessa
fica
nas variações

faz lá coisas disto - era impossível
                    poesia que não serve para nada?
arrebenta a bolha na estrada

ficava uma noite
mas fica fica
para amanhã

logo te falo do não destinatário e da manteiga
do taxista e do vómito que dão os sete mares
                        vómito que dão os sete mares

                        sempre a fugir do centro da cabeça

terça-feira, 10 de setembro de 2013

guide

entre deux vies
entre deux villes
entr'eux deux voies
deux voiles
et deux étoiles

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

é possível assim se chama

montes
montes de tonta na rua que ameaça
nas escadas que caem
nos passos que perseguem
nos atropelistas que rugem
etecetera

poesia drogada
na cabeça uma selva

cheira a apartamento na linha
a sopa dabóbora da estação de são pedro por cima do sous-plat verde-plástico
apanhada pela pesada de metal e grande
colher no dente renitente
a meio molar

o lilixir
patas de terra
olhos de veado
cor de jardim
pronta terra
curiosos veados
desarrumado jardim

segundo o andamento
o que fica frito
dá-me pena
pra eu escrever
o que fica frito
dá-me fome
pra eu comer
na mesma panela
azeite a ferver

mais
o ai se ti dá um pão ao ovo o queijo pede o ovo à codorniz

oolismo
naquela altura da putrefacção em que tudo já sabe a álcool
- isso e beber perfume

covo
desencasca-lhe a tosse
e arregamela-lhe a membrana

(o gato comeu-me a língua)